Pastoreando o Coração da Criança XV

Adolescência 

Introdução
Muitos temem os dias em que as crianças se tornarão adolescentes. Os pais vivem no pavor de terem filhos na fase da adolescência, porque temem a alienação que estes anos parecem trazer. Eles temem pensar no tipo de relacionamento que testemunham entre os pais e seus filhos e todos se preocupam com o ditado que diz: “Filhos pequenos, problemas pequenos; filhos grandes, problemas grandes”.

Definição
Os anos que compreendem esse período abrangem desde o início da puberdade até o momento em que os filhos saem de casa para estabelecer um lar. Esses anos são caracterizados por grande insegurança, de um lado o adolescente não é mais uma criança, mas do outro também não é um adulto. Nessa fase eles tendem a ser vulneráveis, ansiosos, instáveis e inseguros além de passarem pela crise da formação da personalidade.

Rebeldia
Os anos da adolescência frequentemente são anos de rebelião. Com frequência essa rebelião tem raízes mais profundas e muitas vezes esteve latente o tempo todo. Recordo-me de ver um pai corrigindo seu filho que estudava na 4a série. O filho foi repreendido na frente de outros e forçado a obedecer seu pai. Embora tenha obedecido, a expressão em sua face demonstrava ira e uma profunda hostilidade contra seu pai. O que o impedia de expressar sua rebelião ostensiva nessa ocasião? Anos mais tarde esse meninos se rebelou, mas a rebelião de seu coração era a expressão da ira que havia sentido, quando era aluno da 4a série e sofrera as indignidades da repreensão pública.

Três bases para a vida
Quais são os objetivos da educação nesse período da vida? O que você espera realizar? Há bases mais sólidas do que suas convicções pessoais? Quais são elas? Provérbios 1:7-19 nos fornece a orientação. Há três bases para a vida nesta passagem: O temor do Senhor (v.7), a aceitação da instrução dos pais (v. 8-9) e o afastar-se dos ímpios (v.10-19).

O temor do Senhor
Assim como em qualquer outra área da verdade teológica, a chave para crescermos é aplicar essas verdades na vida diária, dessa forma você deve fazer com que o temor de Deus se torne funcional na vida diária dos adolescentes. Você deve ensinar o adolescente que a pressão dos colegas é simplesmente viver no temor do homem, em vez de no temor de Deus. Você deve pastorear seus adolescentes em direção a viver no temor de Deus em vez de no temor dos homens.

Aceitação da instrução dos Pais
Provérbios 1:8-9 declara:

Filho meu, ouve o ensino de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe. Porque serão diadema de graça para a tua cabeça e colares, para o teu pescoço.

Nessa passagem Salomão nos ensina que os pais são uma fonte de sabedoria e instrução e que o adolescente que aceita a instrução de seus pais será ricamente abençoado. Sempre se considera que eles acham os adultos irrelevantes, mas a verdade é outra, eles vêm os adultos, que vivem com integridade diante de Deus, como fonte de sabedoria e instrução e o contexto principal para aproveitar esse fato é Deuteronômio 6.

Afastar-se dos ímpios
O terceiro assunto fundamental se encontra em Provérbios 1:10 Filho meu, se os pecadores querem seduzir- te, não o consintas. Salomão está exortando seu filho à separar-se dos ímpios. Deus entende o problema da influência e deveríamos fazer o mesmo. Vejamos algo bem interessante:

“vem conosco...(nós) acharemos toda sorte de bens preciosos...Lança a tua sorte entre nós; (nós) teremos todos uma só bolsa...”

Qual a sedução para o adolescente e jovem de acordo com o texto acima? A maneira mais eficaz de guardar os adolescentes de serem atraídos por ofertas de companheirismo dos ímpios é fazer que o lar seja um lugar atraente para eles. Ninguém fugirá de lugares onde são amados e experimentam aceitação incondicional.

Essas três bases para a vida devem fazer parte de toda conversa com seus adolescentes: o temor do Senhor, a aceitação da instrução dos pais e o afastar-se dos ímpios. Quando isso está presente, podemos esperar que o favor do Senhor repousará sobre nossos esforços.

Internalização do Evangelho
Outro processo muito importante nessa fase é a internalização do evangelho que nada mais é do que a apropriação das coisas de Deus como sua própria fé viva. Esse processo é muito importante, mas depende apenas da ação de Deus através de seu Espírito Santo, no entanto, podemos lutar na expectativa de que o evangelho é poderoso e de que Deus não quer que ninguém se perca, assim Ele mesmo lutará para conseguir espaço nos corações em que ainda não Reina. Seu papel durante esse período é pastorear o adolescente encorajando-o e procurando influenciá-lo no processo de internalização do evangelho. É necessário desenvolver um relacionamento de pastorado com eles e nesse momento precisamos relembrar a seguinte figura:




Essa figura nos ajudará no relacionamento com os adolescentes pois nos levará à um relacionamento de interação positiva, de diálogo aberto e do desenvolvimento de um relacionamento adulto onde aguardamos o tempo certo, abordamos temas amplos e permitimos a discordância.

O processo de internalização é muito importante, mas ainda não é o fim. Além dele é necessário desenvolver uma maneira de pensar cristã, desenvolver amizades com adultos, descobrir e desenvolver sua esfera peculiar de ministério, determinar uma carreira em que eles possam cumprir o mandato cultural e a ordem de Deus de sustentarem a si mesmos e ajudarem a suprir as necessidades dos outros, estabelecer a identidade para formar um lar e família própria e desenvolver relacionamentos maduros com seus responsáveis.

Confiando-os a Deus
A tarefa de educar chega ao fim! Não somos mais os pastores a cuidar do rebanho. Esse aspecto do nosso relacionamento está acabado. Isso será verdade, quer eles se casem, quer simplesmente assumam seu lugar como adultos em sua comunidade. Deus pretende que está seja uma tarefa temporária e em última análise VOCÊ PRECISA CONFIAR EM DEUS! O que eles se tornarão não depende somente daquilo que você fez, mas dependerá também da natureza do compromisso deles para com Deus. Você os entrega a Deus, sabendo que pode confiar “seus filhos” ao Deus que tem lidado de maneira tão graciosa com você.

PERGUNTAS PARA REFLEXÃO

1.     O que você pode fazer para oferecer para seus adolescentes contextos de instrução que lhes sejam oportunos?


2.     Você está promovendo um lar onde seus adolescentes sentem-se amados e aceitos?


3.     O que você pode fazer para oferecer-lhes um especial senso de pertencer?


4.     Você está usando a repreensão gentil e palavras agradáveis para influenciar seu adolescente com perspectivas extraídas da Escritura?


5.     Você está, de maneira consciente, preparando os adolescentes para partirem?


Passando da solitude para a comunidade para o ministério

Jesus estabeleceu a verdadeira ordem para o trabalho espiritual!!!

Henry Nouwen

A palavra discipulado e a palavra disciplina são a mesma palavra – isso sempre me fascinou. Uma vez que você fez a escolha de dizer “Sim, eu quero seguir a Jesus”, a questão é, “Quais são as disciplinas que me ajudarão a permanecer fiel a esta escolha?”. Se quisermos ser discípulos de Jesus, temos que viver uma vida disciplinada.

Ao falar disciplina, não quero dizer controle. Se eu conhecer a disciplina de psicologia ou de economia, tenho certo controle sobre um conjunto de conhecimentos. Se eu disciplinar meus filhos, quero ter um pouco de controle sobre eles. Na vida espiritual, porém, a palavra disciplina significa “o esforço para criar um pouco de espaço no qual Deus pode agir”. Disciplina significa evitar que tudo na sua vida seja preenchido. Disciplina significa que em algum lugar você não está ocupado, e certamente não preocupado. Na vida espiritual, a disciplina significa criar aquele espaço no qual algo, que você não havia planejado ou esperado, pode acontecer.

Eu acho que existem três disciplinas para permanecermos fiéis, a fim de que não apenas nos tornemos discípulos, mas também permaneçamos discípulos. Essas disciplinas estão numa só passagem da Escritura, que apesar de nos ser familiar, pode nos surpreender ao descobrirmos que fala sobre disciplina.

Naqueles dias, retirou- se para o monte, a fim de orar, e passou a noite orando a Deus. E, quando amanheceu, chamou a si os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu também o nome de apóstolos: Simão, a quem acrescentou o nome de Pedro, e André, seu irmão; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelote; Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que se tornou traidor. E, descendo com eles, parou numa planura onde se encontravam muitos discípulos seus e grande multidão do povo, de toda a Judéia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidom, que vieram para o ouvirem e serem curados de suas enfermidades; também os atormentados por espíritos imundos eram curados. E todos da multidão procuravam tocá-lo, porque dele saía poder; e curava todos. (Luc 6:12-19).

Essa é uma história linda que se passa da noite para a manhã e depois para a tarde. Jesus passou a noite em solitude com Deus. Ao amanhecer, ele juntou seus apóstolos em sua volta, formando uma comunidade. E ao entardecer, com seus discípulos, ele saiu, pregou a palavra e curou os enfermos.
Observe a ordem: Da solitude para a comunidade e depois para o ministério. A noite é para a solitude; a manhã para a comunidade; e a tarde para o ministério.

Frequentemente, no ministério, tinha o desejo de fazer as coisas sozinho. Se isso não funcionasse, me achegava a outras pessoas e dizia, “Por favor!”, procurando uma comunidade para me ajudar, e se isso não funcionasse, talvez, começaria a orar.

Mas a ordem que Jesus nos ensina é a inversa. Começa estando com Deus em solitude; então se cria uma comunhão, uma comunidade de pessoas com a qual a missão está sendo vivida; e finalmente essa comunidade sai junta para curar e para proclamar as boas novas.

Eu acredito que podemos olhar para a solitude, para a comunidade, e para o ministério como sendo três disciplinas pelas quais criamos espaço para Deus. Se criarmos espaço no qual Deus pode agir e falar, algo surpreendente acontecerá. Você e eu somos chamados à essas disciplinas se quisermos ser discípulos.

SOLITUDE
Solitude é estar com Deus e somente Deus. Existe algum espaço para isso em sua vida?
Por que é tão importante que você esteja com Deus e apenas Deus no monte? É importante, porque é o lugar no qual você pode ouvir a voz daquele que te chama de amado. Orar é escutar aquele que te chama de “minha filha amada”, “meu filho amado”, “minha criança amada”. Orar é deixar que aquela voz fale ao centro do seu ser, ao seu âmago, é deixar que aquela voz ecoe em seu ser inteiro.

Quem sou eu? Eu sou o amado. Essa foi a voz que Jesus ouviu quando saiu do rio Jordão: “Tu és meu filho amado, em ti me comprazo”. E Jesus diz a mim e a você que somos amados como ele é amado. A mesma voz está lá para você. Quando você não estiver reivindicando essa voz, não pode andar livremente neste mundo.

Jesus escutava essa voz o tempo todo, e foi capaz de andar corretamente pela vida.
Pessoas estavam lhe aplaudindo, mas também rindo dele, o louvando e o rejeitando; clamando “Hosana!” e clamando “Crucifica-o!” Mas no meio disto, Jesus sabia de uma coisa: Eu sou o amado; Eu sou o favorito de Deus. Ele se agarrava àquela voz.

Existem muitas outras vozes gritando: “prove que você é o amado”; “prove que você vale algo”; “prove que tem alguma contribuição a fazer”; “faça algo relevante”; “faça um nome para si”; “pelo menos tenha um pouco de poder, e então as pessoas te amarão; então as pessoas dirão que você é maravilhoso, que você é grande”.

Essas vozes são tão fortes neste mundo. Essas foram as vozes que Jesus ouviu logo após ouvir de Deus, “Tu és meu amado”. Outra voz disse: “Prove que você é o amado. Faça algo. Transforme as pedras em pão. Certifique-se que é famoso. Pule do templo, e será conhecido. Se aposse de um pouco de poder para que tenha influência verdadeira. Não deseja um pouco de influência? Não foi para isso que veio?

Disse Jesus: “Não, eu não tenho nada a provar. Eu já sou o amado”.
Eu amo o quadro de Rembrandt O Retorno do Filho Pródigo (The Return of the Prodigal Son). O pai abraça seu filho, abraça sua filha, ele toca em seu filho e sua filha e diz: “Vocês são meus amados. Não vou perguntar nada a vocês. Onde estiveram, o que fizeram, e o que dizem sobre vocês, pois são meus amados. Eu os mantenho seguros em meu abraço. Toco-lhes. Encubro-os em segurança debaixo de minhas asas. Podem vir para casa e para mim, cujo nome é Compassivo, cujo nome é Amor”.

Se você mantiver isso em seu pensamento, pode lidar com uma quantidade enorme de sucesso, tão bem quanto uma quantidade enorme de derrotas, sem perder sua identidade, porque a sua identidade está em você ser o amado de Deus. Bem antes de seu pai e sua mãe, seus irmãos e irmãs, seus professores, sua igreja, ou de qualquer pessoa lhe tocar de uma maneira amável, assim como de uma forma que te feriu – bem antes de você ser rejeitado ou louvado por outro – aquela voz sempre esteve lá. “Eu tenho te amado com um amor eterno”. Esse amor estava lá antes de você nascer e permanecerá lá após a sua morte.

Uma vida de cinquenta, sessenta, setenta, ou de cem anos é apenas um instante em que você pode dizer. “Sim, eu te amo também”. Deus tem se tornado tão vulnerável, tão pequeno, tão dependente, numa manjedoura e numa cruz, e está nos perguntando: “Você me ama? Você me ama? Você me ama de verdade?”.

É aí que começa o ministério, porque a sua liberdade é ancorada em reivindicar esse estado de ser amado. Isso permite que você entre neste mundo e toque em pessoas, as cure, fale com elas, e faça com que estejam cientes de serem amadas, escolhidas, e abençoadas. Quando você descobrir que é amado por Deus, vai enxergar o mesmo nas outras pessoas, e mostrará isso a elas. É um mistério incrível do amor de Deus, que quanto mais você sente a profundidade de ser amado, mais você enxergará quão profundamente suas irmãs e seus irmãos na família humana são amados.

Agora, isso não é fácil. Jesus passou a noite em oração. Isso é um retrato do fato de que a oração não é algo que você sempre sente. Não é uma voz que você sempre ouve com estes ouvidos. Não é sempre um discernimento que subitamente chega a sua mente pequena. (O coração de Deus é maior do que o coração do homem, a mente de Deus é maior do que a mente do homem, e a luz de Deus é tão grande que pode te cegar e fazer você sentir como se estivesse na noite.)

Mas você tem que orar. Você tem que ouvir a voz que te chama de o amado, caso contrário você perambulará esmolando por afirmação, por elogios, por sucesso. E então você não é livre.

Ah! Se pudéssemos nos assentar por apenas meia hora por dia e não fazer nada a não ser tomar uma simples palavra do evangelho e a colocar na nossa frente – por exemplo: “O Senhor é meu pastor; nada me faltará”. Repita isso três vezes, e sabemos que não é verdade, porque queremos muitas coisas, e achamos que temos falta delas. É exatamente por isso que somos tão ansiosos. Porém, se permanecermos falando a verdade, a verdade, “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará”, e deixar que essa verdade desça da nossa mente para o nosso coração, gradualmente essas palavras são escritas nas paredes do nosso santo lugar interior. Esse lugar se torna o espaço no qual podemos receber nossos colegas e nosso trabalho, nossa família e nossos amigos, e as pessoas que encontraremos durante o dia.

O problema é que, tão logo você se assenta e fica quieto, pensa, Ah eu esqueci, preciso ligar para meu amigo. Mais tarde eu vou visitá-lo. A sua vida interior é como uma bananeira cheia de macacos pulando para cima e para baixo.

Não é fácil sentar-se em solitude e confiar que Deus falará com você, não com uma voz mágica, mas com a certeza de que ele deixará você saber algo gradualmente através dos anos. E naquela palavra você encontrará o lugar interior, a partir do qual viverá sua vida.
A solitude é onde o ministério espiritual começa. É ali que Jesus ouviu a Deus. É ali que nós ouvimos a Deus.

Às vezes penso na vida como uma gigantesca roda de bicicleta com muitos aros. No meio está o eixo. Frequentemente, no ministério, parece que estamos correndo em volta do pneu, tentando alcançar todo o mundo. Mas Deus diz, “Comece no eixo; viva no eixo. Então estará ligado com os aros, e não terá que correr tão rapidamente”.

COMUNIDADE
É precisamente no eixo, naquela comunhão com Deus, que descobrimos o chamado para a comunidade. É extraordinário que a solitude sempre nos chama à comunidade. Em solitude você percebe que é parte de uma família e que deseja levantar algo junto.

Por comunidade, não quero dizer comunidades formais. Refiro-me a famílias, amigos, igrejas locais, programas de doze passos, grupos de oração. Comunidade não é uma organização; comunidade é uma forma de viver: você junta ao seu redor pessoas com quem você quer proclamar a verdade de que somos os filhos e filhas amados de Deus.

Comunidade não é fácil. Uma vez alguém disse: “Comunidade é um lugar onde mora a pessoa com quem você menos deseja conviver”. Na comunidade dos doze apóstolos de Jesus, o último nome era daquele que estava para lhe trair. Essa pessoa está sempre na sua comunidade, em algum lugar; nos olhos de outros, você pode ser essa pessoa.

Eu morava numa comunidade chamada Daybreak (Alvorecer), uma de mais de cem comunidades no mundo inteiro, onde crianças, homens, e mulheres com incapacidades mentais, junto com os seus cuidadores, moram juntos. Compartilhamos todos os aspectos da vida cotidiana. Nathan, Janet, e todas as outras pessoas da nossa comunidade sabem quão difícil e quão maravilhoso é viver juntos.
Porque é tão importante que a solitude venha antes da comunidade? Por que se não soubermos que somos os amados filhos e filhas de Deus, vamos esperar que alguém na comunidade nos faça sentir assim. Eles não conseguem. Vamos esperar que alguém nos dê aquele amor perfeito, incondicional. Mas comunidade não é solidão se agarrando à solidão: “Estou tão sozinho e você está tão sozinho”. È solitude se agarrando à solitude: “Eu sou o amado; você é o amado; juntos podemos construir um lar”. Às vezes você está perto e isso é maravilhoso. Às vezes você não sente tanto o amor, e isso é difícil. Mas podemos ser fiéis. Juntos podemos construir um lar e criarmos espaço para Deus e os filhos de Deus.

Contidas dentro da disciplina da comunidade estão as disciplinas de perdão e celebração. Perdão e celebração são o que constroem a comunidade, quer seja um casamento, uma amizade, ou qualquer outra forma de comunidade.

O que é perdão? Perdão é permitir que a outra pessoa não seja Deus. Perdão declara: “Eu sei que você me ama, porém não tem que me amar incondicionalmente, porque nenhum ser humano pode fazer isso”.

Nós todos temos feridas. Estamos todos sofrendo de uma grande dor. É precisamente esse sentimento de estar sozinho que se esconde por trás de todos os nossos sucessos, aquele sentimento de inutilidade que se esconde em baixo de todos os elogios, aquele sentimento de insignificância, mesmo quando as pessoas dizem que somos fantásticos – é isso que nos faz apegar-se às pessoas e esperar delas uma afeição e amor que elas não podem dar.

Se quisermos receber de outras pessoas aquilo que somente Deus pode nos dar, nos tornamos demônios. Dizemos, “Me ame!”, e antes de perceber nos tornamos violentos, exigentes e manipuladores. É tão importante permanecermos nos perdoando, não de vez em quando, mas em cada momento da vida. Antes de tomar café da manhã, você já teve pelo menos três oportunidades de perdoar pessoas, porque sua mente já está em ação, O que as pessoas vão pensar de mim? O que ele ou ela vai fazer? Como eles vão me usar?

Perdoar outras pessoas por poderem te oferecer apenas um pouco de amor é uma disciplina difícil. Continuar pedindo perdão aos outros por você ser capaz de oferecer somente um pouco de amor é uma disciplina difícil também. Dói dizer aos seus filhos, à sua esposa, ao seu marido, aos seus amigos, que você não consegue lhes oferecer tudo que gostaria de lhes dar. Mesmo assim, é aí que começa a ser criada a comunidade, quando nos juntamos numa maneira perdoável e sem exigência.
É aqui que a celebração, a segunda disciplina da comunidade, entra. Se você consegue perdoar outra pessoa por não poder te dar aquilo que somente Deus pode te dar, então vai poder celebrar o dom daquela pessoa. Então vai poder enxergar o amor que aquela pessoa está lhe oferecendo como um reflexo do amor grande e incondicional de Deus. “Amem uns aos outros porque eu vos amei primeiro”. Quando conhecermos aquele primeiro amor, podemos enxergar o amor que chega a nós por meio das pessoas como reflexo daquele amor. Podemos celebrar e declarar, “Nossa, isso é maravilhoso!”

Na nossa comunidade, Daybreak, temos que perdoar muito. Porém, em meio ao ato de perdoar vem a celebração: enxergamos a beleza de pessoas que são frequentemente consideradas como marginais pela sociedade. Com perdão e celebração, a comunidade se torna o lugar onde colocamos no centro os dons das outras pessoas, as erguemos, e declaramos: “Você é a filha amada e o filho amado”.

Celebrar o dom de outra pessoa não significa oferecer um ao outro pequenos elogios – “Você toca melhor o piano”, “Você é bom em cantar”. Não, isso é um show de talentos. Celebrar os dons de cada um significa aceitar a humanidade de cada um.

Nós vemos uns aos outros como uma pessoa que pode sorrir, e dizer “bem vindo”, comer, e conseguir dar alguns passos. Uma pessoa que nos olhos de outras é despedaçada está subitamente cheia de vida, porque você descobre sua própria insuficiência por meio dela.

O que quero dizer é isto. Neste mundo, tantas pessoas convivem com o peso da autorrejeição: “Eu não sou bom. Sou inútil. As pessoas não se importam comigo realmente. Se eu não tivesse dinheiro, não falariam comigo. Se eu não estivesse neste emprego importante, não me ligariam. Se eu não tivesse tanta influência, não me amariam”. Por trás de uma carreira bem-sucedida e altamente louvável pode estar uma pessoa medrosa que não se considera muita coisa. Em comunidade aparece aquela vulnerabilidade mútua na qual perdoamos uns aos outros e celebramos os dons de cada um juntos.

Tenho aprendido tanto desde que cheguei ao Daybreak. Aprendi que meus dons verdadeiros não são de escrever livros ou por ter frequentado universidades. Meus dons verdadeiros são descobertos por Janet e Nathan e outros que me conhecem tão bem que não podem mais ser impressionados por essas outras coisas. De vez em quando eles dizem, “Tenho um bom conselho: Por que você não lê alguns dos seus próprios livros?”

Há cura em ser conhecido na minha vulnerabilidade e fraqueza. De repente percebo que Henri é uma pessoa boa também aos olhos de pessoas que não leem livros e que não se importam com sucesso. Essas pessoas podem me perdoar constantemente pelos pequenos gestos e comportamentos egocêntricos que estão sempre presentes.

MINISTÉRIO
Todos os discípulos de Jesus são chamados para o ministério. Ministério não é, em primeiro lugar, algo que se faz (embora ele te leve a cumprir muitas coisas). Ministério é algo em que você tem de confiar. Se você sabe que é o amado, e se você continua a perdoar aqueles com quem forma comunidade e celebra os dons deles, você não pode estar fazendo outra coisa que não ministrar.

Jesus curou pessoas não por fazer toda sorte de coisas complicadas. Um poder saía dele, e todos eram curados. Ele não falou: “Me deixe falar contigo por dez minutos, e talvez eu possa fazer algo sobre isso”. Todos que lhe tocaram foram curados, porque um poder saía do seu puro coração. Ele queria uma coisa: cumprir a vontade de Deus. Ele foi a pessoa completamente obediente, aquele que estava sempre escutando a voz de Deus. Como resultado desse ouvir se deu uma intimidade com Deus que radiava sobre todos a quem Jesus via e tocava.

Ministério significa que tem de confiar nisso. Tem que acreditar que se é filho e filha de Deus, poder sairá de você e pessoas serão curadas.

“Vão e curem os enfermos. Pisem em cobras. Ressuscitem os mortos”. Isso não é conversa furada. Jesus ainda disse: “Tudo que eu faço, vocês também podem fazer e coisas maiores”. Jesus disse precisamente: “Vocês são enviados ao mundo assim como eu fui enviado ao mundo, para curar enfermos”.

Confie nesse poder de cura. Confie que se estiver vivendo como o amado você curará as pessoas quer perceba ou não. Mas você precisa ser fiel a esse chamado! O ministério de cura pode ser expresso em duas palavras: gratidão e compaixão.

A cura acontece frequentemente por levar pessoas à gratidão, pois o mundo está cheio de ressentimento. O que é ressentimento? Ira fria. “Estou irado com ele. Estou irado com isto. Não é assim que quero”. Gradualmente existem mais e mais coisas sobre quais sou negativo, e logo me torno uma pessoa ressentida.

Ressentimento faz com que você se prenda a derrotas ou desapontamentos e reclame sobre as perdas na sua vida. Nossas vidas estão cheias de perdas. Perdas de sonhos, perdas de amigos, perdas de família e perdas de esperanças. Existe sempre o perigo que se move furtivamente de que responderemos a essas dores incríveis em ressentimento. Ressentimento nos dá um coração endurecido.

Jesus nos chama à gratidão. Ele clama a nós: “Tolos, não sabiam que o Filho do Homem – que você, que nós – tem de sofrer e depois entrar na glória? Não sabiam que essas dores eram dores de parto que lhes levam à alegria? Não sabiam que tudo que experimentamos como perda é lucro aos olhos de Deus? Aqueles que perdem suas vidas as ganharão. E se o grão não morre, permanece um grão pequeno; porém se morrer, então produzirá frutos”.

Você pode ser grato por tudo que aconteceu em sua vida, não apenas pelas coisas boas, mas por tudo que lhe trouxe até aqui? Foi a dor de um Filho que criou uma família de pessoas conhecida como cristãos. Isso é o ministério de Deus.

Nosso ministério é ajudar pessoas, gradualmente, a se livrarem do ressentimento, para descobrir que bem no meio da dor há uma benção. Bem no meio das suas lágrimas é onde começa a dança e a alegria é primeiramente sentida.

Neste mundo desvairado, existe uma distinção enorme entre tempos bons e ruins, entre tristeza e alegria. Porém, aos olhos de Deus, elas nunca estão separadas. Onde há dor, há cura. Onde há lamentação, há dança. Onde há pobreza, há o reino.

Jesus diz: “Lamente sobre suas dores e você verá que eu estou bem aí na suas lágrimas, e será grato pela minha presença na sua fraqueza”. Ministério significa ajudar pessoas a serem gratos pela vida mesmo estando com dores. Essa gratidão pode te mandar direto para os lugares deste mundo onde as pessoas estão em dores. O ministro, o discípulo de Jesus, vai por onde há dor não porque ele é um masoquista ou ela uma sádica, mas porque Deus está escondido na dor.

“Bem aventurados os pobres”. Jesus não diz: “Bem aventurados os que cuidam dos pobres”. Ele diz, “Bem aventurados os pobres. Bem aventurados os que lamentam. Bem aventurados os que têm dor. Lá estou eu”. Para ministrar, você tem que estar onde está a dor. Às vezes essa dor está escondida numa pessoa que por fora pode parecer estar sem dor ou ser bem sucedida.

Compaixão significa sofrer e viver com aqueles que sofrem. Quando Jesus viu a mulher de Naim, percebeu que esta é uma viúva que perdeu seu único filho, e foi movido pela compaixão. Ele sentiu a dor daquela mulher no seu âmago. Ele sentiu a dor dela tão profundamente no seu espírito, que ele, por compaixão, chamou o filho de volta a vida para que pudesse devolver aquele filho à sua mãe.
Somos enviados para onde quer que haja pobreza, solidão, e sofrimento para ter a coragem de estar com pessoas. Confie que por se jogar em tal lugar de dor você encontrará a alegria de Jesus. Todos os ministérios da história são construídos nessa visão. Um mundo novo cresce por meio da compaixão.
Tenha compaixão como teu Pai no céu tem compaixão. É um grande chamado. Mas não tenha medo, não se amedronte. Não diga, “Eu não consigo fazer isso”.

Quando você está ciente que é o amado, e quando tem amigos em sua volta com quem convive em comunidade, você pode fazer qualquer coisa. Não está mais com medo. Não tem mais medo de bater na porta enquanto alguém está morrendo. Não fica com medo de começar um diálogo com uma pessoa que embora não pareça, está necessitando muito do ministério. Você está livre.
Eu tenho experimentado isso constantemente. Quando eu estava deprimido ou me sentia ansioso, eu sabia que meus amigos não conseguiriam resolver isso. Aqueles que ministraram a mim foram aqueles que não estavam com medo de estar comigo. Precisamente onde senti minha pobreza, descobri a bênção de Deus.

Apenas algumas semanas atrás um amigo meu morreu. Ele era um colega de classe e eles me enviaram a fita do seu enterro. A primeira leitura do enterro era uma história de um riacho. O riacho disse: “Eu posso me tornar um grande rio”. Ele trabalhou muito, mas havia uma rocha enorme. O riacho disse: “Eu vou passar em volta desta rocha”. O riacho empurrou e empurrou, e visto que tinha bastante força, ele passou em volta da rocha.

Logo o rio deu numa grande parede, e o rio perseverou em empurrá-la. Eventualmente, o rio fez um canyon e cavou seu caminho. O rio crescente disse: “Eu consigo. Eu consigo avançar. Não vou parar por nada”.

Então chegou a uma floresta enorme. Disse o rio: “Vou avançar de qualquer jeito e simplesmente forçar estas árvores a caírem”. E assim fez o rio.

O rio, agora poderoso, chegou à beira de um deserto grande com o sol a pino. O rio disse: “Vou atravessar este deserto”. Mas a areia quente logo começou a sugar o rio inteiro. Disse o rio: “Ah não! Vou conseguir. Vou atravessar este deserto. “Mas o rio logo se esgotou na areia até que se tornou num poço de lama.

Então o rio ouviu uma voz lá em cima: “Simplesmente se entregue. Deixe-me carregá-lo. Deixe que eu cuide disso”. O rio respondeu: “Aqui estou eu”.

O sol, então, ergueu o rio e o transformou em uma nuvem gigantesca. Ele levou o rio por sobre o deserto e liberou as nuvens em forma de chuva e fez frutíferos e ricos os campos afastados.
Existe um momento em nossa vida quando enfrentamos o deserto e queremos fazer as coisas por nós mesmos. Mas existe a voz que diz: “Larga disso. Se entregue. Vou te fazer frutífero. Sim, confie em mim. Se entregue a mim”.

O que conta na minha e na sua vida não é sucesso, mas os frutos. Os frutos da sua vida você pode não ver pessoalmente. Os frutos da sua vida nascem, frequentemente, nas suas dores, na suas vulnerabilidades e nas suas perdas. Os frutos da sua vida aparecem somente após o arado cavar sua terra. Deus quer que você seja frutífero.

A questão não é: “Quanto ainda posso fazer nos anos que me restam?”. A questão é: “Como posso me preparar numa entrega total para que minha vida seja frutífera?”.

Nossa vida é humana, pequena. Porém aos olhos Daquele que nos chama de amados, somos grande, maiores do que os anos que temos. Produziremos frutos, frutos que você e eu não veremos nesta terra, mas nos quais podemos confiar.

Solitude, comunidade, ministério, essas disciplinas nos ajudam a viver uma vida frutífera. Permaneça em Jesus; ele permanece em você. Você produzirá muitos frutos, você terá grande alegria, e sua alegria será completa.


HENRI NOUWEN, escritor e orador, era um membro da comunidade Daybreak (Alvorecer) no Canadá, onde cuidou de um adulto excepcional por vários anos antes de falecer em 1999. Jornal Leadership (Liderança), primavera de 1995: 81-87.